terça-feira, 6 de novembro de 2018

DUPLA FUNÇÃO E ATENÇÃO REDOBRADA EM ABRIR PORTAS, ACOMPANHAR O SUBIR E DESCER DOS CLIENTES , PASSAR TROCO ,PRESTAR CONTA DO FATURAMENTO ...

Motoristas acumulam função de cobrador nos ônibus da Região Metropolitana do Recife 


Das 32 linhas que operam sem cobrador desde 2015, 23 já estão com o motorista acumulando função. Fotos: Léo Motta/JC Imagem

Depois da retirada dos cobradores, mais uma novidade é adotada sem alarde no sistema de transporte por ônibus da Região Metropolitana do Recife. Os motoristas de algumas linhas que já operavam sem a figura do cobrador desde 2015 estão acumulando a função de receber dinheiro, passar troco e liberar a catraca ao mesmo tempo em que dirigem. Ou seja, estão atuando, também, como cobrador. A novidade está valendo desde o dia 1º de novembro. E, apesar de estar sendo criticada pelos motoristas, a determinação é legal. Foi acordada com os empresários de ônibus em convenção coletiva dos motoristas e cobradores, e validada pelo governo de Pernambuco, via Grande Recife Consórcio de Transporte.
O acúmulo de função já está valendo em 23 linhas operadas por cinco empresas: Caxangá (10 linhas), Empresa Metropolitana (8 linhas), Transcol (1 linha), Pedrosa (2 linhas) e São Judas Tadeu (2 linhas). E o número deverá crescer, segundo o GRCT, já que, no total, 32 linhas estão operando sem cobrador desde o fim de 2015 na Região Metropolitana do Recife e isso é pré-requisito para a escolha da linha. Os motoristas estão sendo convidados a assinar um documento em que concordam com o acúmulo de função e ganham, na maioria das empresas, um abono de R$ 100 mensal.
A novidade está explícita na 25ª cláusula da convenção coletiva da categoria, de julho deste ano. Mas, segundo o presidente do Sindicato dos Rodoviários, Benilson Custódio, os motoristas não são obrigados a aceitar o acúmulo de função e o abono. “O processo só é validado com a concordância do profissional. Ele é livre para aceitar ou não. Se aceitar, ganhará R$ 100 a mais no salário. E só é permitido para as linhas que operavam sem cobrador até o dia 1º de julho deste ano. Concordamos porque muitos passageiros estavam sendo prejudicados nessas linhas que só aceitam o cartão eletrônico. É uma forma de também beneficiar o passageiro”, argumentou Benilson Custódio.
Em junho de 2016, entretanto, o mesmo sindicato alertou o Estado que o acúmulo de função por parte dos motoristas era ilegal e feria a convenção coletiva da categoria. Na época, os cobradores estavam sendo retirados das linhas. E, como resposta, o GRCT garantia que nenhum cobrador seria demitido e que os motoristas não iriam acumular a função de receber dinheiro e passar troco. Mas tudo mudou.

André Melibeu, diretor de Operações do GRCT, explicou que, ao órgão gestor, coube apenas o papel de validar ou não o pedido de acúmulo de função. E, nesse caso, o Estado viu uma oportunidade de dar mais uma opção ao passageiro que não tem o cartão VEM. “Autorizamos depois de submetermos o pedido ao nosso departamento jurídico e estamos monitorando para ver qual será o impacto na operação. Se haverá atraso nas viagens, por exemplo, ou se as linhas em questão conseguirão recuperar a queda de demanda, que tem sido maior do que a média do sistema em geral. Agora, são linhas em que o pagamento em dinheiro é mínimo. Isso é fundamental e critério para autorizarmos ou não o acúmulo de função do motorista”, disse.
A Urbana-PE se posicionou sobre o assunto por nota. Destacou que a medida está sendo implantada em caráter de teste e em acordo com o sindicato da categoria e os profissionais envolvidos. E que, apesar dos investimentos feitos para ampliar a rede de vendas dos créditos eletrônicos do VEM – hoje com mais de 2.500 pontos credenciados –, site, aplicativos, estações de BRT e terminais, viu na medida uma forma de garantir uma solução momentânea no processo de transição do pagamento em dinheiro para a bilhetagem antecipada.
CENÁRIO NACIONAL
Não só a retirada de cobradores, mas também o acúmulo de função pelos motoristas é uma tendência no País e no mundo. Levantamento feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em 101 cidades brasileiras revelou que em 28 delas os motoristas atuam também como cobradores. “O processo é válido se bem feito e respeitando alguns critérios. O sistema de transporte por ônibus de Goiânia (GO), por exemplo, funciona assim há 20 anos. Mas é preciso escolher linhas em que o pagamento em dinheiro seja exceção. Também é fundamental que os motoristas obedeçam o CTB e não manuseiem dinheiro com o veículo em movimento”, ponderou Marcos Bicalho, diretor da NTU. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) desconhecia a novidade e, segundo o promotor de Transportes, Humberto Graça, irá acompanhar o processo para se posicionar sobre possíveis riscos à operação.
Gavetas foram instaladas ao lado dos motoristas, sobre o motor dos ônibus
Embora revoltados, os motoristas que passaram a acumular a função de cobrador estão com medo. Temem perder o emprego caso reclamem. Um deles conversou com o JC no anonimato e foi só críticas.
JC – O que o senhor tem achado dessa nova função? De ter que dirigir e receber dinheiro dos passageiros?
MOTORISTA – Péssimo. Como se não bastassem a tensão e o estresse que fazem parte do nosso trabalho diário, agora temos que nos preocupar com dinheiro. Em vender os cartões VEM ou simplesmente receber a passagem daqueles passageiros que quiserem pagar em dinheiro. É difícil e, como não estamos acostumados, tem sido bem estressante. É difícil calcular o troco certo e cuidar, ao mesmo tempo, do embarque e desembarque das pessoas, além do trânsito em geral.
JC – O que é o mais difícil de fazer?
MOTORISTA – Ter que me preocupar com dinheiro. Ficar atento o tempo todo, sabendo que aquela gaveta é minha responsabilidade. Por sorte, o movimento está muito pequeno nas linhas em que os motoristas estão fazendo o papel de cobrador. Como a mudança é recente, começou na semana passada, ainda há poucos passageiros pagando em dinheiro porque as pessoas acham que essas linhas só aceitam o cartão VEM. Além disso, as empresas de ônibus e o governo do Estado não fizeram qualquer divulgação. Mas quando as pessoas souberem que as linhas voltaram a receber dinheiro, o movimento vai aumentar e exigirá ainda mais atenção dos motoristas.
JC – Como o senhor foi informado da novidade?
MOTORISTA – As empresas estão chamando os motoristas dessas linhas que rodam sem cobrador desde o fim de 2015 e dizendo que agora é assim. Assinamos um documento no qual concordamos em receber dinheiro e passar troco como os cobradores. Para isso, recebemos R$ 100 por mês. Está tudo no papel que temos que assinar.
JC – E quem se negar a assinar esse documento?
MOTORISTA – Com certeza será demitido. Oficialmente, dizem que os que se recusarem serão transferidos de linha, mas sabemos que a demissão é certa e apenas uma questão de tempo.
JC – O senhor sabia que o acúmulo de função pelos motoristas foi aprovado na convenção coletiva da categoria, com o aval do Sindicato dos Rodoviários? 
MOTORISTA – É difícil de acreditar que o nosso sindicato fez isso e que ainda acertou um valor tão baixo de abono pela nova função. Só quem não vive o dia a dia de um motorista de ônibus pode concordar com esse tipo de função. Tiraram os cobradores e agora vão colocar os motoristas para passar troco. Quem vai perder é o passageiro porque as viagens vão atrasar, com certeza.

Fonte: Blog de Olho no trânsito/ com Roberta Soares do JC.

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