via mangue
Via Mangue é boa na ida, mas falha na volta...
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Ela é polêmica desde a sua
concepção e deverá gerar controvérsias mesmo depois de pronta. A Via
Mangue, promessa de solução viária para a Zona Sul do Recife, defendida
pelos gestores públicos há pelo menos dez anos, corre sérios riscos de
nascer ultrapassada. Peca por não prever qualquer prioridade ao
transporte coletivo, recomendação de bom senso em tempos de pura
imobilidade, e por não atender à insaciável demanda por espaço dos
automóveis, devido a equívocos de projeção que criaram gargalos viários.
O projeto previu um amplo acesso de chegada à futura via, no sentido
Centro-Boa Viagem, mas esqueceu das opções de retorno. Ou seja, do jeito
que está, a Via Mangue é hoje uma via que vai, mas não volta.
Um dos principais gargalos do futuro
corredor, percebido atualmente e que se prolongará caso intervenções
físicas não sejam realizadas rapidamente para resolver o problema, é o
encontro do túnel da Rua Manoel de Brito, que fica sob a Avenida
Herculano Bandeira, no Pina, com a Avenida Antônio de Góes, principal
saída da Zona Sul em direção à área central da capital. Construído na
segunda gestão do prefeito João Paulo e símbolo da primeira etapa do
projeto viário, a passagem subterrânea, que deveria eliminar os
conflitos de trânsito, está sendo vítima deles. Engarrafa diariamente
não só pelo tráfego intenso que atrai - o RioMar Shopping, inaugurado há
11 meses, é a razão atual -, mas principalmente pelo erro grosseiro de
encontrar-se com um corredor de tráfego pesado, que deveria ter sido
evitado desde sempre: a Avenida Antônio de Góes. Com o agravante de que
essa interseção é feita com um semáforo. O resultado tem sido ruim e,
quando a Via Mangue ficar pronta, deverá ficar caótico porque os 30 mil
veículos que deverão utilizar a via diariamente passarão por aquele
ponto.
Os técnicos confirmam esse raciocínio.
“Não acredito que o túnel esteja completo. É óbvio que aquela obra não
está concluída. Não é uma questão de engenharia, apenas de bom senso. É
uma solução inacabada. O túnel deveria seguir sob a Avenida Antônio de
Góes e acomodar o tráfego nessa mesma via através de uma alça. Do jeito
que está, apenas sob a Avenida Herculano Bandeira, joga todo o tráfego
na confluência com a Antônio de Góes, chocando-se com os veículos que
saem da Zona Sul. Não tem lógica. Está faltando algo. A presença do
RioMar Shopping, de fato, antecipou o problema, mas ele existiria de
qualquer forma mais na frente”, atesta o professor do departamento de
engenharia civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Fernando
Jordão, que está fazendo doutorado em transportes.
Em reserva, um ex-integrante das gestões
do PT à frente da prefeitura e profundo conhecedor da Via Mangue
confessa que o gargalo criado pela falta de continuação do túnel foi
percebido e alertado desde os projetos iniciais da futura via, ainda na
primeira gestão de João Paulo. A solução não foi dada por falta de
recursos. Ou seja, aquele velho hábito dos gestores públicos de fazer o
que dá, mesmo que não seja o ideal. “Sabíamos que o túnel precisava ser
prolongado até a Avenida Antônio de Góes, mas o custo, na época, era
mais do que o dobro do valor gasto. Além do custo, havia dificuldades
com o licenciamento ambiental e a necessidade de negociar
desapropriações. Sabíamos que não podíamos jogar o tráfego na Antônio de
Góes. Mas era o que dava para fazer. Era melhor do que não executar
nada”, afirma.
Uma solução para substituir o
prolongamento do túnel, também apontada antes do início da execução da
Via Mangue, seria a construção de um elevado na Antônio de Góes. “Era
uma outra opção. Com o elevado, o tráfego que sairia do túnel passaria
por baixo, entraria numa alça e retornaria à avenida, enquanto os
veículos que trafegavam na Antônio de Góes passariam por cima, no
elevado. Dessa forma não haveria o conflito. Mas o custo também era alto
e se deixou para o futuro”, relata.
Pois o futuro chegou e o momento de
encontrar a solução adiada no passado é agora. Todos os dias são
registrados congestionamentos no túnel da Via Mangue. À tarde e à noite,
eles são certos. As retenções se estendem por mais de 500 metros e os
motoristas ainda têm que ficar presos numa rampa, o que é desafio para
muitos. Quando a Via Mangue estiver pronta, o volume de tráfego será bem
maior, o que ampliará os problemas.
Diante desse cenário, o professor
Fernando Jordão faz um alerta, lembrando que os gestores públicos
enganam-se com a justificativa de que não previram ao menos uma faixa
para o transporte coletivo na Via Mangue porque corredores estão
prometidos para as Avenidas Domingos Ferreira e Conselheiro Aguiar. “As
pessoas não vão deixar o carro em casa sabendo que têm uma via expressa
para andar. Você precisa rivalizar o transporte individual e o coletivo,
torná-los concorrentes. Caso contrário, o automóvel vai levar sempre
vantagem. Qualquer benefício ao carro faz com que a pessoa não hesite em
usá-lo. E a Via Mangue será um benefício ao automóvel, o que é um
erro”, avalia.