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domingo, 25 de novembro de 2018

BRT PELO BRASIL E NO MUNDO

MATÉRIA ESPECIAL DO JORNAL DO COMÉRCIO 

Nacionalmente, sistemas de BRT sofrem


As feridas do sistema BRT são nacionais. Em todas as cidades onde o projeto do ‘metrô sobre pneus’ vingou há problemas. O maior deles é, hoje, a integração urbana com a cidade. Os planejadores esqueceram de priorizá-la. Ignoraram a capacidade de sociabilidade do sistema. E, como consequência, o BRT tem sofrido com a baixa demanda. Transporta menos passageiros do que foi projetado. É difícil chegar e sair das estações de embarque e desembarque, não importa o projeto nem a cidade brasileira. É como se os corredores funcionassem às margens das cidades. O BRT é visto apenas como corredor de transporte de acesso ao trabalho. O Brasil ainda não aprendeu a vê-lo como um equipamento integrado às áreas urbanas.

Essa é a principal deficiência na avaliação de quem entende de sistemas de BRT no Brasil e no mundo, como o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), entidade mundial que criou critérios técnicos para caracterizar o modelo nacional e mundialmente. “O BRT é uma evolução do sistema de ônibus convencional. “Os números mostram que de 15% a 20% dos passageiros que usam o BRT não faziam uso daquele corredor anteriormente. Ou seja, são viagens novas, de pessoas que passaram a usar porque o equipamento mudou. Revelam o potencial do sistema. Por isso é preciso atrair o usuário oferecendo acesso às estações através da caminhada e da bicicleta. São muitas dificuldades enfrentadas para chegar e sair das estações de BRT. Não há calçadas, ciclofaixas nem travessias sinalizadas e seguras, por exemplo”, alerta Gabriel Tenenbaum de Oliveira, do ITDP.

Para quem estuda e analisa o sistema brasileiro é preciso revelar ao passageiro o potencial do BRT. Comunicar-se com ele. Mostrar que no entorno das estações há vida, oportunidades, oferta de serviços e lazer. “Hoje, os problemas do BRT são enfrentados por todos os sistemas. É preciso dar acesso às oportunidades existentes no entorno dos corredores. Mostrar que eles fazem parte da cidade. Muitas estações estão em bairros que têm pontos de atração, mas os passageiros não sabem porque falta essa informação. É preciso dizer às pessoas que ali, a poucos metros daquela estação de embarque e desembarque, há uma faculdade, uma unidade de saúde da família, por exemplo”, ensina Gabriel Tenenbaum de Oliveira.



Os números mostram que de 15% a 20% dos passageiros que usam o BRT não faziam uso daquele corredor anteriormente. Ou seja, são viagens novas, de pessoas que passaram a usar porque o equipamento mudou. Revelam o potencial do sistema. Por isso é preciso atrair o usuário oferecendo acesso às estações através da caminhada e da bicicleta. São muitas dificuldades enfrentadas para chegar e sair das estações de BRT. Não há calçadas, ciclofaixas nem travessias sinalizadas e seguras, por exemplo.Gabriel Tenenbaum de Oliveira, do ITDP

Não são problemas de um único corredor, mas de quase todos os 14 projetos caracterizados pelo ITDP como corredores de BRT em oito cidades brasileiras. A maior parte dos usuários ainda mora a mais de um quilômetro dos sistemas de transporte de média e alta capacidade. E, por isso, essas pessoas precisam chegar às estações. As linhas de ônibus alimentadoras, que têm o papel de levar o passageiro até o corredor ou terminal de BRT, por exemplo, têm deficiências em todos os projetos nacionais. “É comum o passageiro do BRT esperar muito nos terminais integrados com o sistema de ônibus convencional por deficiências na oferta de linhas alimentadoras. É preciso cuidar delas. Não podemos construir corredores sem pensar nelas”, ensina o técnico.

Não há dúvida, entretanto, que a escolha pelo BRT em 2010, quando o País começou, de fato, as definições sobre os modelos da futura mobilidade para a Copa do Mundo, foi acertada. O Rio de Janeiro é o melhor exemplo desso acerto. “Foram construídos três corredores que totalizaram 125 quilômetros em menos de cinco anos. Bem mais rápido do que a Linha 4 do metrô do Rio e o VLT Carioca, que transportam menos passageiros. E um quarto corredor - o TransBrasil – está com as obras paradas, mas em algum momento será finalizado. Mesmo com as falhas, o BRT conseguiu dar um sopro de infraestrutura para as cidades”, avalia Gabriel Tenenbaum de Oliveira.

Na avaliação do ITDP, pelo tempo e recursos disponíveis na época, a expansão dos sistemas de BRTs foi, sem dúvida, uma escolha acertada para o Brasil. O Rio é um exemplo da eficiência num espaço relativamente curto. Os 125 quilômetros de corredores têm uma extensão maior do que a linha de metrô existente há décadas. “Se tivéssemos optado por outro modal não teríamos conseguido o mesmo. Belo Horizonte (Minas Gerais) também implemantou dois corredores enquanto o metrô não sofreu expansão. O BRT da Região Metropolitana do Recife é outro exemplo. Foram feitos dois corredores sem qualquer ampliação do metrô. Conseguimos mais com o BRT. Apesar dos problemas, é um sistema que cumpriu a função de dar um sopro de infraestrutura a cidades que estavam há decadas sem receber qualquer tipo de investimento em transporte público de média e alta capacidade. Agora, é fato que o BRT custa caro para ser eficiente”, pondera o especialista do ITDP.


Da vitrine à decadência – o Exemplo do Rio de Janeiro

O sucesso do sistema de BRT da cidade maravilhosa durou pouco. De referência nacional, o Rio de Janeiro passou a simbolizar o prejuízo que as mazelas sociais podem provocar quando o transporte público é esquecido pelos gestores. Saiu da vitrine para a decadência. Os três corredores de BRT da cidade (TransOeste, TransCarioca e TransOlímpica), construídos em cerca de cinco anos, deram visibilidade nacionalmente ao modelo. Mais até do que o BRT de Curitiba, criado pelo arquiteto e urbanista Jaime Lerner 40 anos atrás. Atualmente, entretanto, os projetos cariocas sofrem mais do que todos. Exatamente porque foram do céu ao inferno. Convivem, agora, com a disputa das milícias e do tráfico de drogas. Estão no meio dela, inclusive.

Além do vandalismo nas estações e o calote crescente no sistema – são 72 mil passageiros circulando sem pagar diariamente, segundo o Consórcio BRT –, trechos estão sem operar por causa do domínio da milícia. A operação dos BRTs do eixo da Avenida Cesário de Melo, que integra o corredor TransOeste, o primeiro a ser construído na cidade, está suspensa desde o mês de maio. Como se não bastasse, setor empresarial e gestão pública iniciaram uma guerra jurídica. De um lado, o Consórcio BRT acusa o município de não cumprir o papel de garantir a segurança, integridade e manutenção dos equipamentos essenciais à operação. No item segurança, o Consórcio alega que as estações, os terminais e as vias exclusivas foram abandonados pelo poder público. Compara os calotes no BRT à superlotação do Estádio do Maracanã e que a pouca manutenção ainda feita pela prefeitura no pavimento dos corredores não passa de maquiagem. Assim, a briga segue.



Embora um sistema sobre pneus custe menos que um sistema sobre trilhos, isto não é motivo para ignorar as melhorias complementares e necessárias ao entorno das estações, a climatização de estações e veículos e a qualidade e segurança de acessos”Jaime Lerner, arquiteto e urbanista – o criador do sistema BRT – no estudo Avaliação Comparativa das Modalidades de Transporte Público Urbano


Mas, mesmo no meio desses conflitos, o BRT carioca continua a demonstrar força. Os 440 veículos que compõem a frota do BRT Rio transportam 500 mil passageiros nas 24 horas de operação do sistema carioca (é como se todos os moradores de Copacabana fossem transportados pelo BRT). E são 125 quilômetros de corredores segregados. O Rio também tenta combater o vandalismo e a evasão com o Decreto Municipal 44.837, publicado em agosto, que multa as pessoas que entrarem no BRT sem pagar a tarifa. A fiscalização seria feita nas estações pela Guarda Municipal e a multa prevista para quem der calote seria de R$ 170. Em caso de reincidência, o valor poderia chegar a R$ 255. O auto de infração seria expedido mesmo que a pessoa se recusasse a assiná-lo. O infrator que não pagar a multa poderia ter o nome inscrito na Dívida Ativa do município e nos órgãos de proteção ao crédito. O valor está previsto na Lei 6.299, de 5 de dezembro de 2017, regulamentada pelo Decreto 44.837. Houve um ensaio, mas a fiscalização ainda não começou para valer.


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