"Vereadores do Recife: vocês podem legislar sobre o transporte. Não caiam no lobby das empresas de ônibus! "
Artigo
Por Pedro Joseph, em artigo enviado ao blog Grmpe
Foi apresentado um Projeto de Lei, de autoria do vereador Alcides Teixeira Neto, na Câmara Municipal do Recife que prevê a obrigatoriedade de ar-condicionado nos veículos de transporte coletivo que circulem na cidade.
Tal projeto conta com o nosso apoio e de toda sociedade. Após 18 meses tramitando, sem nenhuma emenda ter sido apresentada e tendo sido aprovado em 1º turno pelo Plenário da Casa, que derrubou o parecer de inconstitucionalidade da Comissão de Legislação e Justiça, o Projeto estava pronto para ser aprovado em 2º turno. No entanto, em uma articulação, às escondidas, da noite para o dia, o vereador Samuel Salazar apresentou um substitutivo, que na prática zera o processo de tramitação e adia essa melhoria para a sociedade. Esse substitutivo, segundo o vereador, seria para corrigir os vícios de iniciativa do projeto, haja vista que com a criação do Grande Recife Consórcio, o Município de Recife teria perdido a competência para legislar sobre o transporte.
Razão não assiste ao nobre vereador e aos demais parlamentares que se revezaram na tribuna da Casa alegando que haviam perdido a competência sobre a matéria. Como professor e advogado, além de coordenador da Frente de Luta pelo Transporte Público, explico-lhes:
A Constituição Federal, norma maior do nosso ordenamento jurídico, estabelece no Art. 30, incisos I e V, a competência dos municípios de legislarem e administrarem o serviço de transporte coletivo urbano. Ademais, a Lei Orgânica do Recife, igualmente, dispõe nos Artigos 6º, incisos I e XV, as atribuições do Município do Recife em legislar e disciplinar o transporte coletivo urbano.
Todavia, alegam alguns vereadores que com a criação do Consórcio Grande Recife, em 2007, o Município teria perdido a competência de legislar sobre o transporte. Mas, isto não é verdade.
O Grande Recife, criado pela Lei Estadual 13.235/2007, é um consórcio multifederativo (presença do Estado de Pernambuco e dos municípios de Recife e Olinda como sócios – ressalta-se que os demais municípios da região metropolitana ainda não se associaram ao Grande Recife, estariam impedidos de legislar? Por que razão?), conforme previsão no art. 241 da Constituição Federal, que passou a gerir o transporte coletivo urbano da Região Metropolitana do Recife. Para a criação do Consórcio foi aprovada na Câmara Municipal do Recife a Lei 17.360/2007 que autoriza a entrada do Município do Recife como sócio do Consórcio, com previsão de aporte financeiro, cessão de servidores e tecnologia da municipalidade para a empresa criada. Ora, nem a lei estadual e nem a lei municipal supracitadas dispuseram (e nem poderiam, conforme a melhor hermenêutica constitucional e precedentes do STF) sobre a perda da competência do Município de legislar sobre a matéria do transporte coletivo urbano.
Apenas os atos administrativos do serviço de transporte, tais como realização de licitação, contratos administrativos, manutenção e estabelecimento das tarifas, foram delegados ao Consórcio Grande Recife em forma de gestão associada.
Ressalta-se, ainda, que o artigo 121 da Lei Orgânica do Município não permite a delegação da competência para legislar sobre o transporte coletivo urbano, portanto, não teria o condão da Lei 17.360/2007 excluir a competência do Município, seja porque se trataria de norma restritiva, e, portanto, precisaria constar ipsi litteris, no texto legal, seja porque a Constituição Federal e a Lei Maior do Município vedam.
Vale salientar que o transporte coletivo urbano é aquele em que não há terminal rodoviário, nem bagagens, podendo, inclusive, as pessoas irem em pé no interior dos veículos, o que difere do transporte intermunicipal rodoviário, no qual a competência para legislar e administrar é sim do Estado, que, no caso, de Pernambuco o faz por meio da EPTI – Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal, criada pela Lei estadual 13.254/2007.
Portanto, o Município de Recife, por meio da histórica e libertária Casa José Mariano, pode e deve legislar sobre o transporte coletivo urbano com o fim de garantir qualidade, segurança, dignidade e bem-estar aos usuários com atenção ao disposto na Lei Federal 12.587/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana) e na Lei Federal 13.460/2017 (Lei dos Serviços Públicos).
O Parlamento Municipal deve fazer o seu papel e aprovar a obrigatoriedade de que apenas os veículos refrigerados, com ar-condicionado, poderão circular nos limites do Recife, ou seja, independente, de onde venham ou partam as linhas.
Os próprios vereadores, em suas consciências íntimas, sabem disso, e esperamos que não se submetam ao lobby das empresas de ônibus que não querem garantir qualidade na prestação do serviço, apesar dos subsídios milionários que o Estado garante ao setor, bastando lembrar dos veículos estocados nas garagens de alguns empresários denunciados por nós ao Ministério Público de Pernambuco no início deste ano.
Nobres vereadores, honrem a Casa José Mariano e façam a vontade do povo. Respaldo jurídico há, resta saber se existe vontade política.
Foto Arquivo do blog/ BUSÓLOGO cortesia
Pedro César Josephi
Advogado e consultor jurídico
Pós-Graduado em Direito (UFPE)
Mestre em Direito (UNICAP)
Professor de Direito Privado