RIO - O motorista de BRT Paulo Ferreira (nome fictício) leva uma hora e dez minutos para fazer uma viagem que deveria durar 55 minutos, por causa dos remendos no asfalto. A babá Priscila dos Santos fica até duas horas na fila do Terminal Alvorada, mais tempo do que passa no ônibus. Para chegar mais rápido em casa, o soldador Márcio Pereira da Silva prefere embarcar na “lata de sardinha”, como define. Esses são alguns dos incômodos impostos diariamente aos usuários e motoristas do pioneiro BRT Transoeste, principal projeto de mobilidade urbana da prefeitura, que, às vésperas do seu terceiro aniversário, já (ou ainda) apresenta consideráveis problemas.
Embora a praticidade e a redução do tempo de viagem sejam celebradas por quem depende do transporte público, as deficiências no serviço fazem com que o BRT atraia a antipatia de boa parte dos usuários. Uma visita ao Terminal Alvorada num dia de semana, entre 17h e 19h, é sintomática. O cenário é de filas gigantes e muita correria atrás de lugar nos ônibus.
— Se eu quiser ir rápido, preciso entrar numa lata de sardinha — diz o soldador Marcio Pereira da Silva, que viaja até a estação Mato Alto, onde pega uma linha alimentadora até Vila Kennedy. — O projeto é muito bom; o problema é a execução. São poucos ônibus para muita gente.
Atualmente, o Transoeste recebe em média 190 mil pessoas por dia. Número que aumentou muito devido, em parte, à política da prefeitura de extinguir linhas de ônibus e seccionar outras, que se tornaram alimentadoras. Em março deste ano, o prefeito Eduardo Paes reconheceu que a demanda foi subdimensionada. Já o secretário de Transportes, Rafael Picciani, disse, mês passado, que seriam necessários mais 41 ônibus articulados e 15 não articulados para desafogar os dois corredores.
— A viagem é rápida; o ruim é a superlotação. Fico de 40 minutos a uma hora no ônibus, e, às vezes, duas horas na fila, para pegar um mais vazio — conta a babá Priscila dos Santos, que vai da Barra a Santa Cruz diariamente. — Antes eu pegava o ônibus 882, que era pior. A construção do Túnel da Grota Funda foi uma grande vantagem também.
Segundo a Secretaria municipal de Transportes, desde a inauguração do sistema de BRTs, em junho de 2012, a frota cresceu 50%, e passou dos 10,8 milhões de passageiros por ano para os atuais 75,4 milhões. O aumento da demanda, sustenta, ocorre porque “a população reconhece as vantagens do sistema”.
Para o professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ Paulo Cezar Ribeiro, porém, a prefeitura erra ao considerar o sistema como um substituto do metrô:
— O BRT foi vendido como se pudesse suportar até 45 mil passageiros por hora, mas tem capacidade limitada. Se fosse ajustado ao seu nível real de demanda seria ótimo, já que tem custo mais baixo. Mas, como um substituto do metrô, não funciona. E, como consequência, vemos filas gigantescas e caos nos terminais.
FALTA DE INFORMAÇAO E POUCAS BILHETERIAS
O longo tempo de espera na fila e a superlotação do BRT Transoeste fazem a faxineira Maria do Nascimento sentir falta das linhas de ônibus que iam até Campo Grande e foram extintas. Já o estudante André Viana reclama de falta de informação. Certa vez, ele só descobriu que o ônibus expresso ia direto para a estação Mato Alto entre as 16h e as 20h, sem parar na Glaucio Gil, após ter embarcado.
— A sorte é que o motorista me deixou saltar antes; é preciso dar mais informações. Uso os dois corredores, e o Transcarioca é um pouco melhor. No geral, o BRT é mais prático, mas para mim, em questão de tempo, continua tudo igual.
Apesar de o Transoeste concentrar o maior número de reclamações, usuários do Transcarioca também relatam problemas. Para Roberto dos Santos, que vai da Barra, onde trabalha, para Madureira todos os dias, o tempo de viagem também não diminuiu.
— Faço a viagem em menos de uma hora, mas passo mais do que isso na fila. Antes eu pegava o 690, e às vezes ficava duas horas no trânsito. Mas, se considerar o quanto espero no Alvorada agora, pouco mudou.
Segundo o motorista de BRT Paulo Ferreira, a superlotação impede que passageiros entrem nos ônibus em determinadas estações.
— No horário de pico, nas últimas paradas antes do Alvorada, como o Barra Sul e o Novo Leblon, ninguém entra. Quem está dentro puxa o pino de emergência para controlar manualmente a porta, e, assim, impedir que ela se abra para outros passageiros.
Uma bilheteira acrescenta que falta planejamento na venda de passagens:
— Em Santa Cruz, no módulo expresso, só há duas bilheteiras trabalhando, quando seriam necessárias pelo menos quatro. E toda hora o sistema sai do ar; as filas ficam gigantes.
ASFALTO RUIM PROLONGA VIAGEM
A qualidade do asfaltamento do corredor Transoeste é outro problema, e acarreta o aumento do tempo de viagem. A má conservação da pista é agravada pelos vários “remendos” feitos, que formam, em alguns casos, verdadeiras lombadas. Segundo o motorista Paulo Ferreira, uma viagem entre Santa Cruz e a estação Alvorada, que era realizada em 55 minutos, agora chega a durar 15 minutos mais, já que, em muitos trechos, a redução de velocidade é imposta pelo estado da via.
Partindo da Alvorada, o primeiro trecho em estado precário fica em frente ao Américas Shopping. Mais adiante, em Guaratiba, entre as estações Mato Alto e Magarça, está o pior ponto, segundo Ferreira, onde ônibus são obrigados, muitas vezes, a circular a 20 km/h. Diferentemente da pista do Transoeste, primeiro corredor inaugurado, a do Transcarioca é feita de concreto, assim como serão a das futuras vias Transolímpica e Transbrasil e a do Lote Zero do Transoeste, em construção.
— O asfalto do Transoeste é de péssima qualidade, tem menos granito que o normal e mais borracha. Viram que foi um fracasso e mudaram a fórmula para os outros corredores. Concreto suporta muito mais peso — afirma Ferreira.
Na altura da estação Pingo D’Água, um extenso trecho da pista ficou fresado ao longo de mais de um mês, após a Secretaria de Conservação (Seconserva) interromper o recapeamento do asfalto. Depois de uma reportagem do “RJ-TV”, em abril, denunciar a presença de buracos, as obras começaram, mas, segundo usuários, cessaram sem explicação aparente, antes de serem concluídas. Procurada, a pasta não explicou a interrupção do serviço, mas informou que ele foi retomado na última sexta.
As ondulações no asfalto afetam ainda a vida útil dos ônibus do BRT, fazendo com que as chamadas sanfonas dos veículos enverguem — em alguns casos, a traseira chega a raspar no chão — e o bolsão de ar acabe estourando, o que deteriora a suspensão. Segundo Ferreira, desde 2013 três bolsões do veículo que ele dirige estouraram.
— Nós perdemos a estabilidade, e, como o orçamento é apertado para peças, demoram para repor a sanfona. O certo seria trocarem o asfalto inteiro dos trechos ruins do Transoeste, em vez de fazer remendo em cima de remendo — afirma o motorista, acrescentando que vários ônibus circulam sem o adesivo atualizado da vistoria no para-brisa.
A Seconserva informou que o corredor Transoeste é visitado constantemente pelas equipes de manutenção e que o recapeamento de cinco quilômetros da pavimentação entre as estações Pingo D’Água e Magarça foi iniciado em abril a fim de evitar os remendos. A pasta confirmou que recomenda a redução de velocidade nos trechos com problemas. E, sobre a qualidade do asfalto, esclareceu que é do tipo SMA (stone mastic asphalt), “um pavimento resistente e adequado para cargas pesadas”, e que sua escolha foi técnica, devido ao tipo de solo da região, que é mole e exige um material mais flexível, diferentemente do que acontece nos demais corredores do BRT e também no Lote Zero do próprio Transoeste.
Já a Secretaria municipal de Transportes (SMTR) admitiu os problemas e disse que eles serão corrigidos com novas obras e ajustes da prefeitura, como a regulamentação, publicada em março, para o funcionamento de determinadas estações durante a madrugada e o estudo para construção de novas estações no Transoeste. Sobre a frota, a pasta diz que existem 320 ônibus nos corredores Transoeste e Transcarioca e que a carência de mais veículos, citada pelo secretário Rafael Picciani, em abril, persiste. Em relação aos veículos que circulariam sem o adesivo da vistoria, a SMTR prometeu averiguar a denúncia.
Quanto à instabilidade do sistema de recarga de cartões, o consórcio do BRT respondeu que solicitou providências à RioCard. E, a respeito da falta de informações, a posição foi de que novos procedimentos serão implantados, como instalação de quiosques e telas de informação. Os usuários agradecem.
FONTE: O GLOBO
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